Previsível e lamentável a saída de Marina Silva da pasta do meio ambiente na semana que passou. Com sua partida o país voltou a ser um país da década de 1970, onde a questão ambiental era considerada pelos militares um empecilho para o desenvolvimento do país. Sua presença no governo simbolizava um entrave a uma política que privilegia o crescimento a qualquer custo, e desta forma a preservação de nossas florestas não seria uma premissa diante da geração de divisas do agronegócio.
A seringueira do Acre que se alfabetizou aos 14 anos assumiu a gerência em janeiro de 2003, e desde então vinha sendo contestada e desautorizada pelo governo federal, rendido aos interesses de empresários e do capital estrangeiro. Colecionou algumas derrotas como a pressão que sofreu para liberar obras polêmicas, como as hidrelétricas do rio Madeira, foi derrotada com a liberação dos transgênicos, engoliu a transposição das águas do Rio São Francisco e perdeu na questão da liberação dos organismos geneticamente modificados. Foi muito criticada ao fracionar o Ibama, com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, criado para gerir unidades de conservação federais. Mas promoveu também muitos avanços desenvolvendo um inovador sistema de concessões de florestas públicas, criou o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e várias medidas de monitoramento, prevenção e combate ao desmatamento e participou ainda dos esforços para a aprovação da Lei da Mata Atlântica no Congresso. Recentemente se envolveu também em uma discussão pública com Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura, que defendera a expansão do plantio de cana em áreas degradadas da Amazônia. Na verdade a ministra vinha sendo alvo de críticas desde 2006, acusada como responsável pela lentidão do Ibama em conceder licenças ambientais para obras de infra-estrutura. Lula lastimou e se irritou com o alardeamento feito por ela na saída. Compreensível presidente! Marina era considerada um símbolo da luta pela conservação da floresta com uma imagem positiva no exterior. Foi citada em janeiro último, pelo jornal britânico The Guardian em uma lista das 50 pessoas que poderiam ajudar a salvar o planeta. Era praticamente uma grife para o governo. E além de tudo, sua saída aconteceu um dia antes da chegada da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel ao Brasil. A Alemanha é a sede atual da Conferência da ONU para a biodiversidade. Era também a última remanescente do primeiro ministério de Lula.
Sob as críticas de ser muito radical, Marina sai porque era um corpo estranho neste governo e seu pedido de demissão significou o fim de uma longa agonia. Comparo sua partida a de Cristovam Buarque, que também pediu demissão por conta própria. Um amigo me lembrou recentemente que Cristovam, ao focar seu projeto de governo na reforma educacional, foi ridicularizado e denominado “candidato de uma nota só”. Cristovam e Marina são dois idealistas que tinham poder sobre algo sem importância e sem verbas por parte do governo.
Pressionada por governadores, políticos da bancada ruralista e setores do agronegócio, a ministra era a única pessoa no governo a defender uma política de desenvolvimento sustentável para o meio ambiente. A turma do crescimento a qualquer preço venceu a guerra contra aquela que buscava conciliar desenvolvimento com sustentabilidade. Comemoram políticos da região amazônica, o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, e pesos-pesados do agronegócio que vinham exigindo favorecimentos do governo ao setor. A gota d’água foi a recente decisão de Lula de não delegar ao Ministério do Meio Ambiente a coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS). A coordenação do programa foi entregue ao Ministro dos Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Aquele que há algum tempo atrás marretava a política atual e gritava lá de Harvard, “Lula não está nem no poder, nem no governo”.
Deixa o governo carregando em sua biografia recordes de desmatamento na Amazônia decorrentes do agronegócio do gado e da soja. Números que nada representam seus ideais, mais sim os de uma política de governo que utiliza a expressão “responsabilidade social” somente na propaganda. Caiu muito mais pelos acertos do que pelos erros e leva junto a credibilidade que tinha transferido para o governo nestes quase seis anos de atuação. Deixa o rei Luiz Inácio nú e com uma repercussão muito negativa para o Brasil no exterior. Saiu uma pedra no sapato do governo, em compensação ganhamos de volta uma excelente senadora.