Faxina na gramática

Já que reforma agrária, reforma tributária e outros assuntos menos urgentes foram enterrados com o ano que se foi, o governo Lula resolveu iniciar 2009 dando o pontapé inicial na reforma ortográfica. O Brasil, que não conseguiu (e na verdade nem tentou) consolidar uma língua pátria até hoje, tem em menos de um século a terceira reforma na língua. E antes que alguém comece a reclamar que quem deu a idéia para que este projeto avançasse foi um senhor, ex-metalúrgico, famoso pelos erros de português, fiquem cientes de que a reforma não é invenção só do governo brasileiro. É um esforço conjunto dos países de língua portuguesa que se arrasta desde o início do governo FHC para tornar mais forte e universal o idioma.
Além da eliminação de regras inúteis, a reforma pretende unificar a ortografia em todos os países que fazem uso da língua, pelo menos, na maior parte das palavras que possuem diferentes grafias. As mudanças nas normas ortográficas passaram a vigorar no primeiro dia do ano, contudo, o prazo para adaptação às novas regras vai até o dia 31 de dezembro de 2012. Nos livros escolares, a incorporação das mudanças será obrigatória a partir de 2010. Para o Brasil 0,45% das palavras brasileiras sofrerão alterações, e em Portugal haverá mudanças em 1,6% dos vocábulos. A reforma traz entre outras algumas mudanças nas normas de acentuação e hifenização, e o trema (que para muitos já não existia) foi extinto. O objetivo da reforma, segundo governantes, é agregar a ortografia nos oito países que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Brasil, Portugal, Timor Leste e as cinco nações africanas (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe).
Há controvérsias entre os especialistas, que em boa parte divergem da mudança e muitos acreditam que a reforma não vai pegar, mas uma coisa já é certa: é algo que vai confundir muito a cabeça das pessoas. Uma das instituições que mais lutou pela mudança é a que se pronuncia a guardiã mais fiel da Língua Portuguesa na forma em que ela é falada e escrita no Brasil: a Academia Brasileira de Letras. Apesar do conhecido conservadorismo os acadêmicos justificaram o apoio abraçando o conceito de que “simplificar a gramática é modernizar”, e reivindicando que o Brasil precisa de uma língua unificada para se impor e ser reconhecido no mundo. Lembro aos profundos conhecedores da língua portuguesa no mundo, que os chineses, que não têm alfabeto, têm ideogramas, não estão cogitando elaborar reforma nenhuma e estão se impondo por sua presença econômica.
Desconfio que por trás desse monte cheio de farofa de boas intenções há um grande interesse econômico que talvez tenha sido determinante para parir mais um engodo que teremos que descer garganta abaixo. É visível que o acordo não tem só interesses "educacionais" e há um grande interesse das editoras que com o português unificado, poderão exportar seus produtos para outros países. A abertura de mercado aqueceria o negócio editorial, sem contar que haveria muito material para ser reeditado. É claro que movimentar a economia é muito bem vindo, visto que estamos em tempos difíceis, mas não vejo a língua como um cordeiro a ser sacrificado nesta fogueira.
Tirando algumas mudanças,como a inserção do K, Y e W, considero a mudança um despropósito e entendo que uma reforma ortográfica deveria facilitar a linguagem e não complicá-la. A retirada de acentos diferenciais (que, como o próprio nome diz, servem para indicar diferença) vai complicar uma língua que já tem lá suas dificuldades. Analisemos a seguinte frase: Ela para para ir para casa. O exemplo resume que a retirada do acento em vocábulos como “pára” (verbo) causará aquele impacto de "isso não me soa bem”. A reforma está analisando acentos como se fossem enfeites. Também não concordo com a retirada do acento dos ditongos abertos em paroxítonas como “idéia”. Às vezes o que vem para simplificar, vem também para complicar. Se antes nos perguntávamos em qual palavra colocaríamos acento ou hífen. Agora nos perguntaremos: Será que essa palavra é sem acento? Leva hífen?
A mudança ortográfica será uma benção para os que não sabem ortografia, facilitará a vida dos estrangeiros na aprendizagem do idioma, mas sem dúvida para os que sabem, será uma pedra no sapato. Concordo que a língua tem que evoluir, mas não vejo o momento propício para essa reforma. Pelo menos por aqui, onde uma reforma educacional urge mais preocupação por parte de governo e população. O número de analfabetos funcionais cresce vertiginosamente e quem lê e escreve, o faz como bem entende. Como não houve um referendo público e não quiseram saber minha opinião a respeito, vou me adaptando obrigatoriamente e aos poucos à mudança. Por enquanto, aqui no Blog, estarei usando a forma antiga de grafia. E por favor não me crucifiquem, mas... eu uso o trema.